Em um comunicado divulgado na segunda-feira (08), o departamento do Vaticano encarregado de orientar a doutrina católica reafirmou a posição da Igreja contra o aborto, a gestação por barriga de aluguel, a teoria de gênero e qualquer tentativa para mudança de sexo.
“Desejar uma autodeterminação pessoal, como prescreve a teoria do gênero, além desta verdade fundamental de que a vida humana é um dom, equivale a uma concessão à tentação milenar de fazer-se Deus”, afirma o documento.
Conforme destacado no texto, a teoria de gênero “pretende negar a maior diferença possível que existe entre os seres vivos: a diferença sexual”. O documento também ressaltou que “todas as tentativas de obscurecer a referência à ineliminável diferença sexual entre homem e mulher devem ser rejeitadas”.
O pronunciamento, intitulado “Dignitas Infinita” (Dignidade Infinita, em tradução livre), está em desenvolvimento no Vaticano há cinco anos, passando por diversas revisões e iterações antes de ser finalmente aprovado pela Congregação para a Doutrina da Fé e pelo Papa Francisco, cujo respaldo confere a ele o peso de doutrina oficial.
Dignidade ‘inalienável e intrínseca’
O título do documento foi inspirado em um discurso proferido pelo Papa João Paulo II a um grupo de pessoas com deficiência na Alemanha em 1980. O próprio documento foi assinado por Francisco no 19º aniversário da morte de João Paulo II, em 2 de abril.
Após uma extensa explanação sobre a compreensão da Igreja acerca daquilo que denomina de dignidade “inalienável e intrínseca” de cada ser humano, que argumenta existir desde o início da existência humana e não pode ser retirada, o documento analisa de forma resumida questões que desafiam a dignidade humana atualmente.
A declaração enfatiza que a cirurgia de mudança de sexo, também referida como cirurgia de afirmação de gênero, “corre o risco de ameaçar a dignidade única que a pessoa recebeu desde o momento da concepção”.
Diz ainda que a Igreja “se posiciona contra a prática da barriga de aluguel”, quando uma mulher carrega um filho para outra pessoa, “através da qual a criança imensamente digna se torna um mero objeto”.
As crianças “têm o direito de ter uma origem plenamente humana (e não induzida artificialmente)”, afirma o documento, acrescentando que “o desejo legítimo de ter um filho não pode ser transformado num ‘direito a um filho’ que não respeite a dignidade daquela criança como receptora do dom da vida”.
Oposição ao aborto
O documento também reiterou a oposição da Igreja ao aborto e à eutanásia, enquanto destacava a importância de proteger a dignidade inerente das pessoas que vivem com deficiência, dos idosos e daqueles que estão à margem da sociedade, especialmente os pobres.
Também condenou as guerras e políticas que privam os indivíduos de sua dignidade humana.
Segundo o Religion News, as posições expressas no pronunciamento refletem as convicções de longa data da Igreja, que o Papa Francisco tem reiterado com frequência. Francisco denunciou a teoria de gênero como “uma forma de colonização ideológica” que busca eliminar diferenças fundamentais entre os seres humanos, criticando seus conceitos como propaganda ocidental.
Barriga de aluguel
Além disso, o Papa condenou a prática da barriga de aluguel como “desprezível” e prejudicial para as mulheres, especialmente aquelas em situação de pobreza, e os representantes do Vaticano nas Nações Unidas têm defendido a proibição global dessa prática.
No dia 4 de abril, Francisco encontrou-se com alguns dos signatários da Declaração de Casablanca, um documento assinado em março de 2023 por mais de 100 advogados, médicos, psicólogos, sociólogos, filósofos e outros especialistas de 75 países, os quais apelam à abolição da prática da barriga de aluguel.
Bênção de casais do mesmo sexo
Sobre os indivíduos LGBTQ, Francisco demonstrou aceitação da prática homossexual, acolhendo pessoas trans no Vaticano e apoiando ativistas católicos que trabalham pela inclusão.
O cardeal Victor Manuel Fernández, nomeado recentemente por Francisco para liderar a Congregação para a Doutrina da Fé, atraiu atenção em dezembro ao aprovar o “Fiducia Supplicans”, um documento que autoriza a bênção de casais do mesmo sexo e outros casais em situações consideradas “irregulares”. Além disso, ele esclareceu que pessoas transgênero podem ser batizadas e atuar como padrinhos.
Durante a entrevista coletiva de apresentação do documento sobre a dignidade humana em 8 de abril, Fernández esclareceu que a bênção de casais do mesmo sexo “não pretende justificar nada”.
Diante da reação após o documento sobre as bênçãos aos homossexuais, o representante da doutrina de Francisco sentiu a necessidade de defendê-lo. Ele afirmou que o Papa não tem a intenção de promover mudanças doutrinárias ou alterar oficialmente o dogma, enfatizando que, nesse contexto, “o fato de o Papa ter sido pontífice por 11 anos não terá significado algum”.
Fernández enfatizou que o documento sobre a dignidade humana deve ser compreendido em sua totalidade, levando em conta tanto sua forte condenação da violência contra as mulheres quanto sua posição sobre questões como aborto e barriga de aluguel. Ele também destacou a oposição às leis anti-LGBTQ e à discriminação, além de suas reflexões sobre a teoria de gênero e cirurgias de mudança de sexo.
Ele explicou que a Igreja não está adotando essa postura por ser “chauvinista ou antiquada”, respondendo às perguntas dos jornalistas. “Estamos tentando ser coerentes com a dignidade dos seres humanos, independentemente das circunstâncias”, acrescentou Fernández.
Fernandez disse que as crianças nascidas através de barriga de aluguel são iguais em dignidade a qualquer outra pessoa e sublinhou o apoio da Igreja à descriminalização da homossexualidade.
O cardeal enfatizou que pode haver opiniões divergentes sobre a aplicação dos documentos doutrinários e afirmou que Francisco oferece um caminho alternativo para os católicos que não veem “uma minoria selecionada que aceita tudo o que a Igreja diz”.
Ele explicou que a doutrina permanece a mesma, mas a compreensão que a Igreja tem dela evolui, citando exemplos como a escravidão e a pena de morte, questões nas quais a instituição primeiro aceitou e depois condenou.
“Sempre é possível ir mais fundo para compreender melhor esse poço inesgotável que é o evangelho”, disse Fernández, “e ainda temos muito a descobrir e que ainda não entendemos”.
A nova declaração gerou críticas dos católicos LGBTQ.