O modelo de pensamento dos seres humanos em geral neste primeiro quarto de século XXI é profundamente impactado por um tipo de pensamento oriundo do contexto humanista, herdado do ambiente pós-revolução francesa, com influências extremamente diversas, porém com uma convergência: a centralidade nas experiências individuais. Não importa se estamos falando sobre trabalho, lazer ou religião, a experiência do indivíduo é uma preocupação prevalente neste tempo.
Entretanto, humanismo e cristianismo carregam sistemas de valores e crenças que se diferenciam em muitos pontos, sendo que, em alguns deles são expressamente antagônicos. De modo abrangente, os sistemas de valores e crenças são firmados na centralidade da adoração, ou seja, quem está sendo adorado! Sim, tanto humanistas, como cristãos e até os ateus adoram com muita intensidade, sendo que ateus podem ser mais fervorosos do que a maioria dos cristãos!
Vamos ver algumas distinções entre ambos os pensamentos (bíblicos/cristãos e humanistas), depois vamos explorar as características do pensamento deste início de século e, por fim, vamos verificar em quais medidas essas estruturas humanistas rivalizam com o que a Bíblia nos diz.
Relação com a religião ou com a fé:
Os humanistas seculares dizem não se apoiar em deuses ou forças sobrenaturais, e consideram a religião algo opcional e criada pelos homens como subterfúgio às suas demandas, incompetências, obrigações ou indecisões. Os cristãos, por outro lado, consideram a fé em Deus como um valor central. Entretanto, como já vimos, humanistas seculares apoiam-se em estruturas de valores rígidas tais como a centralidade da razão pré-concebida em determinadas e bem específicas estruturas filosóficas, em detrimento de percepções sobre as quais acreditam não haver qualquer possibilidade de desenvolvimento de um conhecimento crítico ou científico. Aliás, a visão sobre o que é ciência talvez seja uma das principais diferenças entre o pensamento humanista secular e o pensamento cristão, principalmente após a crise intelectual causada pela pandemia de COVID-19.
Durante a pandemia, e em decorrência dela, “a ciência” foi amplamente citada como uma entidade homogência, autônoma e hermética, talvez até autômata, com “opinião” própria (sim, opinião!!!) sem a necessidade de comprovar empiricamente as conclusões apresentadas por esta tal “ciência”. Neste tipo de pensamento, as observações da realidade são colocadas em segundo plano, preteridas diante das escolhas feitas por esta entidade: “A Ciência”. Ela é colocada como um oráculo sob o qual, qualquer observação ou constatação deve se render, mesmo que não faça sentido aos fenômenos observados no universo da realidade.
A ciência, como complexo de conhecimentos nunca foi e não deve se portar como “irrefutável”, pelo contrário, sempre deve estar aberta a ser questionada e, eventualmente refutada para que possa progredir em amplitude, abrangência e profundidade. Uma ciência feita sobre fundamentos cristãos, deve julgar a si mesma, submeter-se ao julgamento da verdade e da prova. Ao contrário da pecha que foi impingido à fé e ao pensamento cristão, estes devem ser, por natureza, postos à prova. A dúvida sadia, propositiva, sempre levará a novos conhecimentos. O próprio Cristo utilizava-se de perguntas propositivas e questionamentos intelectuais, para levar seus interlocutores a um aprendizado mais profundo.
Visão sobre o ser humano
O humanismo considera o ser humano como centro das atenções, em um caminho que podemos denominar de hedonismo moderno, cultuando a autoimagem, quer seja do corpo físico, quer seja do intecto. O objetivo da vida em geral é a própria vida, preferencialemente com atributos de conforto e segurança. Antropologicamente, esta é uma consequencia natural do processo de sedentarização, em que a humanidade busca permanecer em uma condição tal, que lhe seja favorável uma existência cada vez menos desafiadora, em contraponto às condições adversas de uma vida nômade. O pensamento humanista, como já abordamos, pretende valorizar a razão e a ciência, apoiadas na experiência da existência enquanto corpo biológico dotado de razão, sem uma existência posterior à morte. As consequencias para este pensamento são altamente drásticas sobre o modelo que se vive uma vida que findará definitivamente com a morte do corpo físico. Temos então um misto de visão utilitarista da própria vida, com a busca de um fim nela mesma. O pensamento cristão sobre o ser humano, por outro lado, considera o homem como sendo a obra-prima da criação divina, dotada de atributos únicos dentre todos os outros seres criados. Entre estes atributos, podemos citar a vida eterna e a filiação a um Deus que ama a humanidade de tal forma que não se poupou em conceder-se a si mesmo para salvar a própria humanidade. Replicar os atributos divinos deve ser então uma busca constante do cristão.
Valores centrais
Os valores centrais do cristianismo incluem o amor ao próximo, a compaixão, a caridade, a justiça, a paz, o perdão, a humildade, a honestidade, a virtude, a esperança, a bondade, a misericórdia, a solidariedade, a compreensão, a fraternidade e, acrescento um valor importantíssimo para os dias atuais e para os próximos dias: a excelência. Estes valores, para o pensamento cristão, não são um fim em si mesmo, mas tem origem e finalidade no princípio da filiação, ou seja, deve-se portar estes valores ‘por’ ser filho de Deus, e não ‘para’ ser filho de Deus; e mais, é necessário que, antes de olhar as próprias necessidades, é necessário atentar para a necessidades dos outros, considerando não apenas as necessidades materiais, mas também as emocionais e físicas. Os humanistas por sua vez, tendem a defender os direitos humanos, ainda que sejam desprovedores de deveres, a liberdade de expressão com um controle de ‘moralidade’ com base no próprio humanismo, as políticas progressistas e uma democracia centrada na garantia dos direitos humanos. A grande oposição entre uma visão e outra talvez seja a própria questão do “direito humano”. Para o pensamento cristão tradicional, a humanidade decaída não tem direito algum, e mesmo assim, Cristo morreu por ela, concedendo-lhe então o direito de ser chamada de “filhos de Deus”.
É muito importante refletirmos e conhecermos as característas do pensamento humano deste primeiro quarto de século, caracterizado por várias tendências marcantes, influenciadas por avanços tecnológicos, transformações sociais e desafios globais.
1. Complexidade e Fragmentação
– Hiperconexão: A era digital trouxe um fluxo incessante de informações, resultando em mentes mais conectadas, mas frequentemente sobrecarregadas.
– Polarização: O debate público tornou-se mais fragmentado, com ideologias e opiniões extremadas dominando as discussões. Este fenômeno traz consigo a possibilidade de uma clareza cada vez mais evidente de definições, porém cada vez mais complexa pela diversidade de pensamentos
2. Individualismo e Autenticidade
– Busca por identidade: Há uma ênfase crescente na valorização da experiência pessoal, autenticidade e expressão individual, ainda que em detrimento do outro.
– Relativismo moral: Vivemos em um tempo pós-moderno, e uma das principais características é efetivamente a relativização da verdade e da moral. Cresceu a ideia de que valores e verdades são subjetivos e dependem da perspectiva de cada indivíduo.
3. Tecnocentrismo
– Dependência tecnológica: O pensamento humano está cada vez mais moldado pela inteligência artificial, redes sociais e algoritmos. Uma busca identica em uma inteligência artificial, rede social ou buscar de internet poderá trazer resultados diversos para indivíduos diferentes, pois foram treinadas pelos hábitos de buscas detes indivíduos.
– Automatização da cognição: Ferramentas digitais influenciam como as pessoas aprendem, se comunicam e tomam decisões, alterando seus hábitos e sua própria história, perspectiva e expectativa de vida.
4. Preocupações Existenciais
– Sustentabilidade e crise climática: O pensamento global reflete um senso de urgência para resolver problemas ambientais e sociais, colocando o ser humano como vítima e causador de danos à natureza e ao equilíbrio do funcionamento do planeta. O pensamento cristão diverge desta causalidade, na medida em que compreende que, através do pecado, toda a natureza (inclusive a própria humanidade) está comprometida desde a queda.
– Ansiedade pelo futuro: A insegurança econômica, as mudanças rápidas, os avanços em biotecnologia e inteligências artificiais, além das graves ameaças de guerras levantam questões éticas e existenciais profundas, trazendo incertezas e crises de ansiedade generalizadas.
5. Espiritualidade Pluralista
– Reconfiguração religiosa: Há uma busca por espiritualidade fora dos moldes tradicionais, muitas vezes misturando crenças e práticas em um sincretismo que também foge da lógica das religiões tal qual suas teologias as definem tradicionalmente. Assim propõe-se a prática e crença concomitantes de conjuntos teológicos completamente antagônicos, tais como um protestantismo-místico-espiritualista, um catolicismo-espírita, ou um cristianismo-busdista.
– Secularização: Ao mesmo tempo, cresce a influência do pensamento secular e materialista em muitas sociedades e comunidades de fé. Podemos falar no desenvolvimento de uma fé secularizada, fenômeno que foi amplamente observado no norte europeu durante a segunda metade do século XX.
6. Pragmatismo e Inovação
– Soluções práticas: O foco em inovação e progresso orientado a resultados está no centro das prioridades.
Esse panorama reflete um pensamento humano em transição, buscando equilíbrio entre a rapidez das mudanças e a necessidade de valores duradouros e conexões significativas. Entretanto, essas conexões e valores vem apoiando-se me princípios humanos, em sua própria existência.
Cada vez mais observa-se um aumento significativo de doenças cognitivas, muitas vezes potencializadas por uma busca desenfreada de compensações dopamínicas, que acabam causando vazios existencias graves que, somados a ansiedade e incertezas em relação ao futuro, acabam trazendo consequencias como aumento de suicídios, transtornos como automutilação física e intelectual.
Para todas estas questões o cristianismo traz uma proposta de mudança de pensamento radical, reposicionando a centralidade da fé e das esperanças não na própria existência fisiológica, mas em uma existência transcendente que perpassa esta existência física.
É necessário compreender que a proposta de vida cristã não é (ou ao menos não deve ser) uma proposta “templária”, de uma religiosidade praticada apenas em um ambiente litúrgico. Ao contrário, deve ser a transformação profunda das estruturas mentais, processuais e declaratórias, que trarão uma consequente transformação profunda no modo de viver e de contemplar a vida.
Veja a proposta do apóstolo Paulo na carta aos Romanos, capítulo 12, verso 2: “Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.”
Perceba a construção reflexiva do verbo “transformar”. Ou seja, a proposta é que somos responsáveis por transformar a nossa própria forma através da renovação da nossa mente. Precisamos pedir graça e entendimento a Deus para sejamos capazes de enfrentar as nossas próprias estruturas mentais, para que de fato não assumamos a forma, o molde da mente deste mundo, mas a responsabilidade de fato é nossa!
Assim, transforme-se!!!
Marcio Scarpellini é Pastor, Administrador de Empresas, Pedagogo, Cientista Social, Pós-Graduado em Educação, Política e Sociedade, Antropologia, Neurologia Aplicada à Aprendizagem, Psicanálise e Ciências da Religião. Diretor Escolar, professor e palestrante, é casado há 20 anos com a Patrícia e pai do João Pedro e da Manuella.
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