A recente explosão do uso da Inteligência Artificial ou simplesmente IA tem levado a muitas especulações sobre o futuro. O avanço da tecnologia é uma conquista do ser humano e, teoricamente, deveria facilitar a vida de todos. Infelizmente, nem sempre é isso que acontece. O exemplo mais recente foi o enorme transtorno ocorrido na semana passada, quando aeroportos, bancos e hospitais em todo o mundo tiveram seus sistemas afetados por uma atualização defeituosa de software de segurança mantido pela empresa CrowdStrike, paralisando seu funcionamento.
Certamente, a IA já faz parte do nosso dia a dia e é de grande utilidade, por exemplo, no emprego de atividades administrativas como examinar documentações e analisar projetos, acelerando processos de qualquer tipo em todas as áreas de conhecimento. Todavia, quando se trata de doutrina bíblica, no que tange ao uso de ferramentas de IA para produzir e processar conhecimento, todo cuidado é pouco.
Um culto de IA
O uso da IA do ChatGPT tem se popularizado rapidamente, desde que foi disponibilizado ao público no ano passado. É certamente uma ferramenta de auxílio, mas não se deve transferir a ela a tarefa de ensino e pregação da Palavra de Deus, o que já vem sendo feito com regularidade. Em junho de 2023, pela primeira vez, um culto protestante foi realizado quase que exclusivamente por uma inteligência artificial na cidade de Nuremberg, Alemanha. O culto, ocorrido durante uma convenção protestante, foi conduzido pela plataforma ChatGPT que liderou mais de trezentas pessoas, durante cerca de quarenta minutos, em oração, músicas, sermão e bênçãos. A reunião foi conduzida por quatro avatares — dois homens e duas mulheres — gerados pela IA e expostos em uma grande tela no lugar do púlpito.
Segundo alguns presentes, o avatar que proferiu o sermão não expressou emoções faciais, tinha uma voz monótona e o culto foi uma experiência ruim. Por outro lado, algumas opiniões mostravam pessoas dando as boas-vindas à IA no ambiente religioso. A alegação é de que será uma forma inovada de se referir à Bíblia Sagrada, sendo uma boa ferramenta para pregadores montarem seus sermões.
Esse último grupo, que parece ter a adesão de muita gente, inclusive de líderes religiosos, parece não perceber a ameaça nem o perigo em se transferir para uma IA algo que Deus concedeu apenas aos homens, a saber, os ministérios da Igreja bem como a distribuição dos dons do Espírito Santo para exercê-los. A simples ideia de lançar mão de uma IA como o ChatGPT para montar um sermão pode ser tentadora, mas é uma aberração em si, especialmente quando não se conhece as Escrituras a fundo. Se tantas heresias e absurdos teológicos são disseminados sem IA, imagine o quanto de heresia e profanação será acrescentado pelo seu uso, com sua linguagem politicamente correta, mas antibíblica na essência.
Uma nova Bíblia?
O que é mais preocupante é que o avanço da IA tem sido exponencial, facilmente superando uma pessoa mediana em diversos aspectos como, por exemplo, na escrita. Possui um acúmulo enorme de conhecimento produzido em inúmeras áreas e um poder de convencimento. Entretanto, como foi denunciado por Elon Musk, o empreendedor que mais investe em IA no mundo, seus desenvolvedores podem inserir nela sua visão de mundo ou, tecnicamente falando, o viés algorítimico, o que a torna sutilmente perigosa. Basta iniciar uma conversa com qualquer IA sobre política ou religião e analisar suas respostas, especialmente, quando a pergunta é sobre algum político proeminente, seja no Brasil ou no exterior, ou sobre quem é Deus. É a esse tipo de máquina que confiaremos nossos sermões e o ensino da Palavra de Deus? Nesse ponto, a experiência de Nuremberg, caso replicada, é uma ameaça à igreja, seja ela de que denominação for.
Devido ao veloz desenvolvimento da IA, discute-se a criação de uma reescrita da Bíblia Sagrada. O intuito seria substituir a atual diante da evolução da sociedade e das mudanças ocorridas no mundo em nossa era. Tal “bíblia”, por ser criada por uma inteligência de fato sobre-humana — e não uma alegação mítica de que tenha sido escrita por Deus — teria o potencial de criar uma nova religião mundial, a ser seguida por todos. Essas palavras e esse pensamento não são meus, mas de Yuval Harari, ateu e autor de dois best-sellers, professor e conselheiro do Fórum Econômico Mundial, expressos abertamente em palestras e entrevistas. Tal ideia é seguida de perto por outras pessoas influentes, principalmente na área de IA, como o cofundador do Google, Larry Page, que afirmou desejar criar um “deus digital”.
A sã doutrina
Não é preciso muita imaginação para saber o que virá no futuro. Os tempos do fim serão marcados pela apostasia (2Ts. 2:3). Além de apostatar da fé, os homens darão ouvidos a espíritos enganadores e a doutrinas de demônios (1Tm. 4:1). A IA será a ferramenta ideal para isso, turbinada pelo extenso conhecimento reunido de várias fontes, mas perniciosamente com sofismas em seu conteúdo que desviarão os incautos da verdade da Palavra e do Reino de Deus. Toda cautela é pouca, desde agora. A palavra apostasia significa literalmente revolta política e também deserção da verdade. É uma rebelião aberta contra os princípios de Deus.
Não estamos longe disso, porém, os efeitos futuros serão bem piores, como profetizado pelo apóstolo Paulo. Por essa razão, ele nos alertou desde o início, através de suas palavras a seu filho na fé Timóteo: “Pois virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, sentindo coceira nos ouvidos, segundo os seus próprios desejos juntarão mestres para si mesmos. Eles se recusarão a dar ouvidos à verdade, voltando-se para os mitos” (2Tm. 4:3-4 – NVI). Precisamos nos apegar à sã doutrina da Palavra de Deus, sua verdade absoluta, sem meio-termo, sem divagações, sem definições politicamente corretas. Sua Palavra é imutável, assim como Ele é imutável.
Getúlio Cidade é escritor, tradutor e hebraísta, autor do livro A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo e do blog www.aoliveiranatural.com.br.
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